Vitor Krikor Gueogjian

Advogado. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP; MBA Gestão tributária pela FIPECAFI–Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras; Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP; Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires.
Professor dos cursos de Extensão e Pós-Graduação da LBS – Law & Business School, Faculdade Paulista.


Qual o problema da Guerra Fiscal?

A guerra fiscal é boa para o desenvolvimento do país apesar do nome pejorativo. A guerra fiscal consiste na disputa entre Estados e Municípios para estimular o investimento privado em seus territórios. Para despertar o interesse de empresas os Estados e Municípios concedem redução de impostos ou mesmo abrem mão de tributar e, em contrapartida, a iniciativa privada investe nas regiões respectivas e estimula principalmente a mão-de-obra direta e indireta.

Ocorre que não é tão fácil assim. As barreiras encontradas pelos Estados e Municípios estão previstas na Constituição Federal que, desde 1988, engessou os entes federados de modo que os maiores Estados e Municípios não perdessem arrecadação.

De acordo com o texto da Constituição Federal os Estados somente podem conceder incentivo fiscal válido mediante a aprovação dos outros Estados. Isso mesmo, para que se estimule o investimento privado em determinada região mediante impostos as outras regiões devem concordar em perder a arrecadação.
Essa previsão está no artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “g”, ou seja, é dada à Lei Complementar estabelecer como Estados concederão isenções, incentivos e benefícios fiscais. A Lei Complementar é a 24 de 1975, que prevê no artigo 2º, parágrafo 1º, a necessidade de unanimidade entre os Estados a fim de conceder qualquer benefício fiscal que signifique redução no pagamento de tributos.

Em que pese a previsão constitucional, bem assim sua regulamentação, na prática os entes federados não obedecem ao preceito legal e concedem benefícios fiscais unilaterais para atrair investimentos a sua região, é comum que os Estados concedam benefícios fiscais de ICMS não obstante a proibição legal. Nessa esteira a empresa passa a usufruir dos benefícios internos, obtém redução tributária e passa a contribuir de forma direta e indireta ao mercado local.
Ocorre que se a empresa necessita vender para outros Estados da Federação pode encontrar problemas operacionais. Para se defender e se contrapor aos benefícios concedidos unilateralmente os outros Estados limitam ou glosam os créditos e benefícios concedidos pelo Estado que instituiu o benefício fiscal ilegal.
Essa briga política então é levada ao poder judiciário. De um lado os Estados brigam política e economicamente a fim de garantir maior arrecadação tributária do imposto ou atrair investimento para sua região. De outro lado o contribuinte estimulado a investir na região incentivada e fica em situação de completa insegurança ante a possível declaração de ilegalidade desses benefícios.
Uma das “batalhas” dessa guerra fiscal foi a chamada “guerra dos portos”. Aquelas regiões de concentração de portos e aeroportos diminuíam o ICMS na importação a fim de estimular empresas a importar por esses locais, como o Espírito Santo entre outros. Em 2013, por meio de uma resolução, o Senado Federal unificou todas as alíquotas de produtos importados para 4%. Essa mudança já traz mais estabilidade à “batalha dos portos”

Aí fica a questão: por que não manter incentivos fiscais concedidos por Estados autônomos? Caso o STF decida pela inconstitucionalidade do benefício, qual a melhor solução? Fazer o contribuinte pagar todo o valor do tributo ou desestimular o investimento forçando a empresa a deixar o Estado? Temos que enfrentar duas questões, a conta de um benefício ilegal já utilizado pelo contribuinte e a situação desse contribuinte no Estado para o futuro, já que o benefício foi considerado ilegal.

É comum que as decisões do STF tenham seus efeitos modulados, ou seja, de que a inconstitucionalidade do benefício fiscal somente passe a valer após a decisão. Ao menos o contribuinte não será penalizado por respeitar a lei de um Estado aderindo ao benefício previsto em lei.

Os Estados têm competência tributária para a instituição de seus tributos, ou seja, a Constituição Federal permite que os entes da federação inaugurem o ordenamento jurídico e instituam por meio de lei a criação e regra de incidência tributária dos impostos, tanto que, alguns entes federados têm a opção de não a exercê-la caso seja essa a política fiscal local.
A própria Constituição prevê como objetivo da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades sociais e regionais, artigo 3º, inciso III.
Qual seria o problema da guerra fiscal? Ela serve para desenvolver as economias locais, concede mão-de-obra local direta e indireta, aumenta a arrecadação tributária local e gera riqueza para o Estado e para o País. É exatamente esse um dos objetivos da República Federativa do Brasil: reduzir as desigualdades regionais.
Um dos problemas do Estado Brasileiro é a política fiscal. Para beneficiar alguns ou aumentar a arrecadação a solução sempre é prejudicar outros ou prejudicar determinado setor, em nome da meta fiscal, em nome do estimulo ao mercado interno. Temos como exemplo a desoneração da folha de pagamento que somente durou 01 ano e foi retirada, tudo em nome da meta fiscal a ser atendida; o aumento dos tributos de importação em nome do mercado interno (PIS/COFINS importação) e, no nosso caso, a proibição de incentivos de ICMS em nome da arrecadação dos outros Estados.

Vivemos em um país que é continental e não é possível que a concentração de riquezas e do mercado gire em torno de somente 3 ou 4 Estados ao arrepio dos outros 22 Estados. Qual o problema da Guerra fiscal? Deixem que os outros Estados estimulem seu mercado sem que para isso outros possam ser prejudicados, sejam os contribuintes optantes do benefício, seja o mercado interno e a mão-de-obra local desenvolvido por meio do investimento privado. O Brasil precisa de mais leis boas e estímulos fiscais que não prejudiquem outros, que sejam bem-intencionados, ou seja, vamos dividir o bolo com os outros Estados...não há qualquer problema nisso.

Vitor Krikor Gueogjian

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