Artur Ricardo Ratc

Advogado. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Museu Social Argentino, pós-graduação em Direito Administrativo pela PUC/SP, especialista em Direito Constitucional, Tributário, Direito Processual Civil pela UNISUL e Ciências Processuais pela UNAMA. Membro da Comissão de Contribuintes da OAB/SP. Professor dos cursos de Extensão e Pós-Graduação da ESA/SP – Escola Superior da Advocacia.


Crimes tributários e a inadimplência de tributos. Como fica em tempos pós pandemia?

A crise se instaurou e não é novidade no mundo que grandes países europeus já prorrogaram os prazos de pagamentos de tributos e o Brasil ainda não adotou medida real anticrise nessa seara fiscal. Algumas medidas de prorrogação foram adotadas em favor das empresas do SIMPLES (faturamento anual R$ 4,8 milhões), mas as demais, que inclusive possuem centenas de empregados, senão milhares, pouco se fez para trazer a tranquilidade ao empresário de que dias melhores virão. Pelo contrário, com exceção de PIS/COFINS, CPRB, INSS Patronal dos meses de março e abril (esses com novo vencimento em agosto e outubro) e FGTS ( com pagamento à partir de julho) os demais tributos estão à vencer. A questão que fica é: E se eu não pagar? Posso responder criminalmente inclusive?

O momento é delicado e sabemos que o Governo deverá atuar de maneira antecipada e isso está muito aquém para resolução dos problemas, principalmente, quando tratamos do sócio do governo – os donos de empresas/recolhedores de tributos – que não sabem o que fazer e se serão punidos.

Adiantamos, que na esfera penal, existe a figura da exclusão de culpabilidade da tomada de decisão baseada no momento real da empresa ou do motivo de não recolhimento de tributo para não caracterizar crime, ou seja, não se pagou o tributo por conta de uma inexigibilidade de conduta diversa.

É sabido, que o tema já ganhou repercussão geral no STF, ou seja, é de interesse de todos e como tal será julgado para sabermos se o não recolhimento, sem culpabilidade, deve ser orientado como um prejuízo patrimonial ao Estado e não um crime propriamente dito – STF ARE 999425 (relator: Min. Ricardo LEWANDOWSKI).

Certo é, que no tocante ao ICMS o STF já se posicionou que o mero não recolhimento, apesar de declaração do imposto configuraria crime, conforme tese firmada pela maioria da corte: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. Vamos entender essa tese.

Para entender esse julgado necessário é dividi-lo em duas etapas, conforme decidido no STF - RHC 163334 (relator Min. Roberto Barroso). A primeira etapa é: 1) “O contribuinte que de forma contumaz” – o devedor que deixa de recolher o imposto deve ser penalizado desde que seja contumaz, ou seja, que pratique corriqueiramente esse ato, todavia, a lei deverá prever o que é devedor contumaz pois é impossível uma aplicação de pena sem uma correta descrição da norma que somente poderá ter validade através de lei complementar que assim defina. Aliás, na esfera penal, precisaremos no nosso entender, da criminalização de conduta específica.

O Estado de São Paulo na lei de conformidade tributária prevê tal qualificação do contribuinte através do artigo 19 em diante. No Estado paulista a definição de devedor contumaz parte de inadimplência de 6 meses consecutivos ou não nos 12 meses anteriores, mas surgem questões: Essa previsão é razoável? Em tempos de pandemia ou instabilidade econômica continua a seguir essa orientação? E entes que não legislaram? As respostas seguem em aberto no tocante à aplicação da tese porque acreditamos que 6 meses não é razoável ao verificarmos um sistema tributário oneroso e custoso, em tempos de pandemia é impossível a maioria das empresas pagar algo além dos salários, e, a maioria dos entes, não possuem lei complementar que assim defina o devedor contumaz. Por aqui já cai a tese do STF, entretanto, avancemos.

A segunda etapa da tese do STF para criminalizar o devedor de tributo que declarou corretamente é: 2) “e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS” – além de ser contumaz, ou seja, devedor frequente, o Ministério Público terá que provar que o administrador da empresa agiu com dolo do não recolhimento, é dizer, ter a intenção + vontade de não recolher tributos. Ocorre que muitas vezes, sequer o empresário tem conhecimento da inadimplência tributária da empresa, seja pelo departamento específico que lida diariamente com o caso, ou às vezes, por sequer entender o que representa aquela negligência do não recolhimento para entrar em um parcelamento futuro – aliás somente pensam assim devido a falta de transparência e onerosidade além de complexidade do sistema tributário. Essa falta de dolo afasta também a conduta criminosa outrora decidida, ao nosso ver, de forma equivocada pelo STF.

Mas se o empresário é devedor contumaz e teve a intenção de não pagar afinal “tem raiva de seu sócio” que apenas gera ônus na empresa com pouquíssima contrapartida? Nesse caso, temos ainda a questão entrelaçada da impossibilidade de pagamento de tributo, ou a necessidade de declarar o tributo e não pagá-lo porque não existia caixa ou situação minimamente viável para arcar com os custos da empresa e salários.

Como já sabemos, a inexigibilidade de conduta diversa por questões financeiras é uma excludente de culpabilidade e em que pese o contribuinte tenha praticado o crime tributário (não recolher o tributo), o direito penal afasta o delito pela ausência de culpabilidade, ou seja, no nosso caso existe um elemento externo (crise financeira, pandemia, etc.) que impossibilita o pagamento do tributo ainda que o devedor seja contumaz e tenha agido com intenção de não pagar o tributo porque sabia que esse valor pagaria a folha salarial.

Em tempos pós pandemia esse será o nosso norte ao analisarmos a crise que os países passaram no mundo, com grande impacto financeiro para as empresas, algumas ajudadas pelo fisco e outras nem tanto, mas acima de tudo, sabemos que a tese do crime tributário precisa cada vez mais se direcionar para a realidade do país.

Nossa realidade, ainda que tenha uma tese no caso do ICMS aplicada pelo STF, precisa ser revista, seja porque seria um absurdo prender um empresário que não é razoavelmente devedor contumaz ou que sequer teve a intenção do deixar de recolher o tributo e mais; Ainda que passemos por essa etapa caberia ao juiz colocar na prisão um empresário que superou uma crise? Nesse caso o “sócio do Estado” estaria sendo preso por sobreviver à crise? Essa imagem devemos passar para o mundo? A resposta é inevitavelmente negativa até porque a inexigibilidade de conduta diversa afasta a culpabilidade no crime tributário. Mas se tudo isso persistir?

Nesse caso, com a perseguição ou criminalização da atividade empresária, teríamos mais um norte ao empresário, que é o afastamento pelo STF no dia 07/11/2019 por 6 votos a 5 da prisão em segunda instância. Não podemos esquecer que esse momento processual da decretação da prisão caiu! – o leitor diria “mas e o caso do Lula?” – Esse caso já passou, era esse entendimento do STF, entretanto, novamente, mudou de jurisprudência sobre tal prisão na ADC 43,44,54, entendendo o que a Constituição já previa que é: somente permitir tal ofensa à liberdade da pessoa após o trânsito em julgado da decisão judicial, nos moldes do art. 5 da C.F. inciso, senão, “LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.

É uma pena levarmos uma esperança ao empresário por não existir mais prisão em segunda instância, nesses casos, ou porque os requisitos de uma tese estranha do STF (devedor contumaz + dolo) não tenham sido comprovados.

Por fim, entendemos que a pandemia por si só já justifica a inexigibilidade de conduta diversa o que afastaria esse crime tributário (afinal o próprio Estado através do Fato do Príncipe determinou o fechamento da empresa), além de sabermos da necessidade de um auxílio do Estado para não ocorrer a “quebradeira” das empresas.

O Estado “quebraria” o próprio sócio? Acreditamos que não, tendo um poder judiciário ativo! Mas isso realmente responderemos no período pós pandemia.

Artur Ricardo Ratc

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