Artur Ricardo Ratc

Advogado. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Museu Social Argentino, pós-graduação em Direito Administrativo pela PUC/SP, especialista em Direito Constitucional, Tributário, Direito Processual Civil pela UNISUL e Ciências Processuais pela UNAMA. Membro da Comissão de Contribuintes da OAB/SP. Professor dos cursos de Extensão e Pós-Graduação da ESA/SP – Escola Superior da Advocacia.


Transação Tributária. Um Começo para o Empresário Negociar com o Fisco. Mas agora na pandemia?

A transação tributária foi instituída pela Medida Provisória nº. 899 e convertida em lei nº. 13.988/2020, que regulamentou matéria já prevista no Código Tributário Nacional desde 1966. Essa informação é chocante, já que, conforme prevê o art. 171 do CTN – a transação (negociação/acordo entre contribuinte e fisco) somente estaria vigente após uma lei específica que regulamentasse o tema senão: “Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário”. A atual lei veio regulamentar esse acordo após 53 anos - Bem vindo ao Brasil – terra da complexidade tributária.

Apesar do drama vivenciado diariamente pelas empresas com a pandemia do coronavírus temos que considerar que a lei que disciplinou a transação tributária federal será utilizada após esse momento de impossibilidade de sequer arcar com salários de empregados, quanto menos, com dívida passada. Não obstante, devemos analisar um norte positivo no sentido de boa-fé dos atos do contribuinte (hoje parecemos inimigos do fisco), estímulo à autorregularização (esperamos que nenhuma autuação venha antes de oportunizar a possibilidade do contribuinte regularizar qualquer pendência já constatada pelo fisco) e redução de contencioso fiscal, além de outros princípios de interesse público previstos na lei.

Em plena crise do coronavírus a lei aproxima o fisco do contribuinte, ao nosso ver, de forma moderada referente a débitos junto à Receita Federal (pois não especifica modalidades de transação) e interessante no tocante às dívidas inscritas em dívida ativa quando trata da negociação individual entre fisco e contribuinte e impositiva quando traz a modalidade de adesão (aquela em que sairá um edital que os contribuintes eleitos pela procuradoria terão a possibilidade de aderir regras pré estabelecidas), nesse último caso parece mais um parcelamento.

Mas o que fazer com a transação agora, se vivemos a maior crise econômica mundial da história, onde decisões do fisco tendem a criar uma moratória dos tributos vincendos? A verdade é que não há espaço para o vencido como regra, eis que a maioria das empresas do país estão naquela situação de “vender o almoço para pagar a janta”.

De toda sorte, para as empresas que poderão, um dia, negociar com o fisco, a lei 13.988 impõe regras aos “atores tributários” sendo obrigação do contribuinte prezar pela transparência com o fim de evitar prejuízos à livre concorrência ou livre iniciativa, não ocultar bens ou dissimular a origem ou destinação destes, não alienar bens/direitos sem a ciência da Fazenda Pública, além de renunciar às discussões judiciais e administrativas. Parece até uma negociação onde o ônus é todo do contribuinte conforme veremos adiante.

A PGFN pode transacionar a cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais, da seguinte maneira: a) prazo de quitação de 84 meses; b) não poderá ter o montante principal do crédito tributário reduzido, mas apenas, multa e juros no limite de 50% e, 70% para pessoas naturais, microempresa ou empresa de pequeno porte, além das santas casas, cooperativas, instituições de ensino que também terão prazo ampliado para 145 meses; c) é possível negociar a substituição de garantias ou outras constrições; d) não abrange dívidas do Simples Nacional e do FGTS de devedores contumazes.

A aceitação da transação por parte do contribuinte, como regra, inclusive previsto em textos de parcelamentos constitui confissão irretratável e irrevogável dos créditos – Aqui surge a “pegadinha” – se considerarmos que boa parte dessas dívidas já estão muitos anos em discussão a pergunta que surge é: E as dívidas prescritas? No nosso entendimento nem deveria entrar na transação e, caso assim seja transacionado, acreditamos que o poder judiciário poderá corrigir, afinal, pode ser eleita dívida em edital já prescrita.

Já a portaria nº. 9917/2020 da Procuradoria da Fazenda Nacional traz os procedimentos para a transação das dívidas com a União, sendo 3 modalidades de transação no que tange dívidas já ajuizadas: 1) transação por adesão (aquela via edital da Procuradoria que elege contribuinte com dívida até R$ 15 milhões; 2) transação individual proposta pela procuradoria; 3) transação individual proposta pelo devedor.

Nesses casos a portaria já sugere que as dívidas no limite de R$ 15 milhões não sejam feitas da maneira individual. Se partimos da premissa que a transação é uma negociação – Para que impor regras desnecessárias? Por que não deixar o contribuinte negociar livremente como o fisco? São respostas que não temos e não teremos a curto prazo mesmo existindo dispositivo legal que impõe a transparência dos números do contribuinte devedor, inclusive podendo ser acessado pela PGFN.

Ainda, é interessante mencionar a transação, na modalidade extraordinária, decorrente da COVID-19 e regulamentada pela portaria nº. 9924/2020 da Procuradoria da Fazenda Nacional que permite a adesão até 30 de junho de 2020, com pagamento da primeira parcela até 30/09/2020. Tal portaria permite o diferimento da primeira parcela para não “micar” o instituto da transação que já está comprometido com o impacto econômico da COVID-19. Essa portaria em plena crise revogou a anterior nº. 7820/2020 que permitia o parcelamento da dívida em até 100 meses. Não dá para entender o porquê de redução de prazo de pagamento da dívida em plena crise. Brasil! Em suma a transação extraordinária difere da transação comum apenas no tocante ao diferimento do pagamento até 30/09/2020.

Por fim, a transação traz a possibilidade de utilizar créditos líquidos e certos em desfavor da União, reconhecidos com decisão transitada em julgado e precatórios próprios ou de terceiros para amortizar a negociação efetivada entre fisco e contribuinte. Acreditamos que tal instituto por ora pouco será utilizado devido a crise econômica decorrente da pandemia da COVID-19 e quando for utilizado necessitará de uma tratativa menos impositiva e mais “win win”. E essa transação? Só o fisco ganha. A ideia foi boa mas vivemos em um país que a lei não condiz com a realidade. Precisamos melhorar!

Artur Ricardo Ratc

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